sexta-feira, 26 de julho de 2013

A edição

Começamos um novo projeto! Chama-se “O Barco” e a ideia é fazer um curta menor, de sete minutos, mas nunca se sabe. Ou, pelo menos, nós não sabemos. No curta anterior prevíamos também uma extensão de sete minutos e o filme, para nossa surpresa, acabou com vinte minutos cravados. Isso se deve, é claro, à nossa pouca experiência e ao processo de edição. Em cinema sempre se diz que é no processo de edição que se faz o filme, o que não deixa de ser verdade. Mas é verdade também que se não houver uma boa captura de imagem, não há edição que salve. O filme ganha corpo é na edição, mas esta não faz milagres.

     O curta 3 Amigos terminou com aproximadamente sete minutos no total. Levamos um susto. Tudo no filme estava extremamente acelerado. Duplicamos o número de frames no programa de edição e a má impressão inicial melhorou um pouquinho, só um pouquinho. De imediato percebemos que deveríamos trabalhar o ritmo de cada cena, onde acelerar, onde pausar, onde retardar o ritmo de cada movimento. Fiz um mapa de edição. Estudei os tempos de cada cena do filme e mandei para o Alex, o editor. Ele se assustou: eram quase trinta páginas de anotações para um roteiro de seis páginas! Aí ficou claro nosso equívoco: Na formatação de roteiros para cinema, em geral uma página de roteiro equivale a um minuto de filme. Em nossa animação esse padrão não se deu. Como nosso roteiro não tinha diálogos, coubera muito mais ação, descrição de cenas e imagens numa única página. Outra coisa que percebemos é que a edição complementa a interpretação dos personagens. No cinema tradicional, um bom ator traz em sua interpretação pausas, intenções, subtextos. Em animação, nem sempre essa “interpretação” pode ser totalmente detalhada pelo animador. É aí que a edição brilha. Ela pode realmente criar novos nexos entre as cenas e é nela que o tempo ideal da cena e do filme é construído. Creio que foi esse conjunto de coisas que estendeu sete minutos gravados para os vinte minutos finais do filme.

     Começamos nosso próximo projeto com um melhor planejamento e esperamos cometer apenas novos erros. Todo o processo desse novo trabalho será relatado nesse blog. E, oportunamente, postaremos no site, www.centopeiapia.com, o roteiro e a decupagem. 


Estudos de storyboard de O Barco

Estudos – Mãe e filha

Estudos 

sexta-feira, 5 de julho de 2013

A HISTÓRIA E A NARRATIVA

Um roteiro é uma espécie de mapa, uma carta de navegação da viagem que é fazer um filme. É fundamental, mas não é mais que isso. Um roteiro diz respeito à história e só começa a se tornar filme a partir da decupagem. É nela que se começa a construir as imagens de um filme. E foi durante o processo da decupagem que um outro elemento começou a se impor: a narrativa. Como vamos narrar essa história? Esta é uma pergunta extremamente ampla e importante, pois as respostas a ela vão se refletir em todo o processo de produção do filme. Em nosso caso, por exemplo, pretendíamos a princípio utilizar uma filmadora como forma de ganhar tempo na captura das imagens. Mas ao refletir sobre a narrativa a ser impressa ao filme rapidamente optamos em utilizar integralmente o stop-motion, por mais demorada que seja essa técnica. Achamos que o filme devia ter uma unidade, quer em suas qualidades ou em seus defeitos. Passou pela nossa cabeça também utilizar fundos reais previamente gravados para as cenas. Essa ideia também não resistiu a uma segunda reflexão e resolvemos capturar todas as imagens em estúdio. O que foi melhor porque, no mínimo, poupou-nos dor de cabeça em adequar o fundo ao primeiro plano da cena no processo de edição, além de dar um caráter artesanal a todo o filme. A narrativa de um filme envolve inúmeros aspectos, desde vislumbrar o ritmo a ser impresso ao filme até o material a ser empregado. 


Uma proposta importante, por exemplo, foi trazida por nossa diretora de arte, Diana Gerbelli. Ela sugeriu que o material cenográfico tivesse como base tecidos. Árvores, montanhas, arbustos, deserto foram construídos em tecido o que deu um aspecto lúdico e colorido que o filme pedia. Outra decisão importante foi com relação ao material utilizado na construção dos bonecos. O animador e construtor dos bonecos Primo Gerbelli insistiu na utilização de materiais naturais para os três bonecos: lã, madeira e barro. Apesar das dificuldades que encontramos com a manipulação com tais materiais durante a captura das imagens, o resultado final mostrou o acerto da decisão, pois conseguimos uma textura e veracidade que dificilmente seria possível com látex e outros materiais sintéticos.

     Enfim, ter clareza da narrativa que se pretende imprimir ao filme é fundamental na busca de um melhor resultado, pois acredito que um filme se constrói, antes de qualquer coisa, na imaginação.  E quanto mais claro o filme estiver em nossa imaginação, melhor ele será capturado no set e melhor estará no DVD.

Primo Gerbelli, montanha e deserto de tecido. 

Os personagens auto construindo-se em barro

sexta-feira, 21 de junho de 2013

O ALICATE MALDITO


   Numa captura de imagens de um filme em stop-motion muitas vezes você passa o dia inteiro no set e, ao término do trabalho, se você conseguiu vinte segundos de filme de qualidade é o caso de abrir uma garrafa de bebida e comemorar. Não se assuste com a aparente baixa produtividade. Stop motion é um trabalho meticuloso que exige muita paciência e, talvez por causa disso, resulta num enorme prazer: prazer de imaginar, transformar em cena o que se imaginou, muitas vezes com resultados além dos imaginados. Independente se o filme resultante é bom ou não, o processo do stop motion é sempre muito bom. O set de um estúdio é cansativo, desafiador por vezes, desesperador em não poucos momentos. Talvez isso aconteça por causa das características da técnica. Tudo no set é manipulável: luz, cor, movimento, forma e composição e talvez mais importante: o tempo é manipulável. Tanto o tempo em termos do ritmo, da fluência de uma ação ou cena, até o tempo dramático de um personagem. Ou seja, é uma carga de elementos criativos que é preciso conciliar que, às vezes, é enlouquecedor e excitante! Felizmente, cinema é arte coletiva e o diálogo entre os artistas no set é constante e necessário. Na composição de todos esses elementos que o set impõe, os acidentes e os esquecimentos são impossíveis de evitar. Tropeços na base do tripé da câmera alterando o quadro foram comuns em nossa experiência. É muito difícil retornar o tripé ao exato lugar original e o custo disso é pago na edição quando, numa tela maior, fica claramente nítido o “pulo” da imagem. Resultado: corta-se três a quatro segundos “suados” de cena.

     Outra coisa que logo aprendemos é que todo elemento de cena deve ser firmemente fixado e estabilizado. O resultado da não observância dessa saudável prática era verificado na edição quando maciças montanhas se mexiam como por efeito de terremotos, arbustos ganhavam vida desnecessária, pedras saltavam de um lugar para outro de forma inesperada e inusitada. O resultado era o de sempre: cortes de cena quando o Alex, o editor, não conseguia limpar digitalmente o “objeto animado” que deveria ter ficado em seu lugar.  

O alicate maldito à direita do quadro.

   Mas o objeto animado que mais deu trabalho no processo de edição de “3 Amigos” foi um pequeno alicate vermelho que Primo Gerbelli, o animador, utilizada para movimentos pequenos, como os dedos das mãos dos bonecos. Algumas vezes, o Primo teve de trabalhar sozinho no set: montar luz, movimentar personagens, capturar imagem. Evidente que era impossível controlar tudo durante um dia inteiro. Disso se aproveitou o alicate vermelho que passou a aparecer insistentemente no quadro. Parecia que ele queria tanto estar na animação que pensamos até em criar um personagem para ele. Sua intromissão na edição filme foi à princípio exasperadora, irritante depois e, por fim, provocava risos: seu desejo de estar em cena tornava impossível contê-lo nos limites dos bastidores. O Alex precisou de horas de trabalho para apagá-lo digitalmente dos frames e fazê-lo voltar ao anonimato, de onde o retiramos agora.


                         O alicate maldito já buscou o centro da cena.


A lata de thinner, aproveitou a escuridão noturna para se
colocar disfarçadamente à esquerda do quadro.

quarta-feira, 5 de junho de 2013

DECUPAGEM, STORY BOARD, ROTEIRO TÉCNICO

Quem quiser fazer cinema de animação tem de saber que não importa a extensão do filme, se um curta de um minuto ou um longa de duas horas, o cuidado tem de ser o mesmo. Não importa a duração do filme, stop-motion é um arte trabalhosa e por isso vale a pena um bom planejamento prévio antes de capturar as primeiras imagens. Entre alguns dos itens desse planejamento está a decupagem. 
        Em cinema, decupagem não é senão o processo de dividir cada cena do roteiro em um ou vários planos cinematográficos. É na decupagem que o filme começa a ser verdadeiramente construído, a história do roteiro começa a ganhar estruturação em imagens. Na decupagem somos obrigados a visualizar cada detalhe do filme o que, além de imprescindível para a construção da obra audiovisual, é um ótimo exercício de imaginação, para o diretor especialmente. Nela podemos imaginar o enquadramento, o posicionamento da câmera, a composição do quadro e outros elementos. Aí também começamos a sentir o ritmo da cena e do filme a ser construído. Em suma, é a construção do filme por dentro antes de ser construído e aperfeiçoado por fora. 
        Em stopmotion a decupagem requer muito precisão. Ao contrário do live action, do filme feito com atores, onde se podem fazer várias tomadas de um mesmo plano e, ao final, escolher a melhor para a edição, em stopmotion é raro fazer mais de uma tomada. A não ser que aconteça algum problema técnico como, por exemplo, chutar o tripé da câmera. Isso nos aconteceu várias vezes e é praticamente impossível retornar o tripé à mesma posição anterior. 




      Outro item importante é o storyboard que é o processo de desenhar os principais planos escritos da decupagem. A escrita é bem menos precisa que a imagem e muita vezes é entendida de forma diferente pelos outros companheiros de criação. A forma de possibilitar a todos envolvidos a visualização precisa e concreta do filme é dada pelo storyboard.
       Finalmente, igualmente importante é o roteiro técnico. Esse instrumento de planejamento além de ser muito importante para o diretor de produção, complementa a construção “interior” do filme antes da captura das imagens. Nele estão indicações de iluminação, efeitos especiais, cenários, objetos de cena, elementos sonoros, indicações de trilha e tudo que for material ou equipamento necessário à construção do filme.
       É evidente que o tratamento dado a esses elementos vai variar bastante dependendo da equipe de criação, mas em nosso processo trabalho eles se demonstraram eficazes e necessários.
       Um último comentário: Muito do conteúdo desse planejamento artístico prévio vai ser modificado no set de filmagem, mas o importante é que qualquer modificação no momento da captura de imagens vai ser modificado para melhor se tivermos esse trabalho anterior.  Por exemplo, em nossa decupagem e roteiro técnico estava prevista o uso de filmadora em alguns planos. No set, desistimos dela e fizemos todo o filme em stopmotion.  
       Tanto o roteiro de 3 amigos quanto a decupagem e o roteiro técnico estão postados em nosso site para consulta. 


Primo Gerbelli cria o boneco


Um boneco cria o outro em 3 Amigos




sexta-feira, 24 de maio de 2013

AS VANTAGENS DA IGNORÂNCIA (2)


     Creio que o fato aconteceu com o escritor italiano Giuseppe Tomasi de Lampedusa (1896-1957). Ao se dirigir a uma plateia de jovens, perguntou-lhes quem deles já lera a Odisséia. Quase ninguém se manifestou. Perguntou quem já havia lido a Divina Comédia, de Dante. Pouquíssimas pessoas outra vez se apontaram. E continuou perguntando sobre o conhecimento da plateia pelas obras clássicas, sempre com pouquíssimas respostas. Ao final das perguntas concluiu: ”Que maravilha! Quanto prazer vocês ainda terão na vida!” Essa é uma vantagem da ignorância: poder conhecer. E ir aos poucos conhecendo a técnica do stop motion foi com certeza maior prazer que tivemos em nossa empreitada. O conhecimento libera e estimula a novos voos.
   Começamos com bonecos estruturados em arame, mas eles não resistiram ao enorme número de torções a que foram submetidos. Partimos então para um boneco construído em madeira e com articulações de metal. Este resistiu melhor, mas a madeira desgastava-se rapidamente nas articulações e necessitavam contínuos apertos para permanecer na posição e ser fotografado. E não possuía a precisão necessária para fazer o conjunto de fotos resultar num movimento fluente da personagem. Estudamos na internet estruturas de bonecos articulados de aço, chamados armaduras. E o Primo Gerbelli (que desenhou os personagens, construiu, desenhou os cenários e foi cenotécnico e animador do curta) resolveu estudar sua construção. Aprendeu a manipular a solda prata e conseguiu um boneco de aço, articulado e plenamente satisfatório.  


      O passo seguinte foi tentar descobrir como conseguir um movimento fluente e natural dos personagens, sem os inevitáveis “pulinhos” de um frame a outro. Esse foi um estudo difícil e que consumiu muito tempo de discussões e testes. A conclusão geral que chegamos é que quanto menores os movimentos fotografados mais fluência de movimento teremos quando juntarmos os frames. Mas isso vai depender da cena, do personagem e da velocidade. Uma cena mais rápida precisa de menos frames/movimentos do que uma cena calma ou contemplativa. 
     Parte da cenografia pronta, personagem construído, equipamento técnico preparado, estávamos prontos para começar a errar. E a aprender com os erros.
           


segunda-feira, 6 de maio de 2013

VANTAGENS DA IGNORÂNCIA


     A única e talvez grande vantagem de começar uma animação sem saber nada sobre a técnica é que se aprende muito. E rapidamente. Tudo é qualquer coisa é aprendizado, para qualquer área que nos voltássemos, tínhamos praticamente tudo a aprender.
     Como o roteiro nas mãos e o equipamento básico – máquina fotográfica, programa de animação, notebook e iluminação - lá fomos para a aventura. Passamos um dia inteiro tentando fazer a máquina conversar com o programa, sem resultado. Finalmente, com a ajuda de uma fotógrafa, Letícia Kamada, conseguimos a setagem correta. Infelizmente a fotógrafa não pode integrar a equipe e nos ressentimos disso durante todo o processo. Um fotógrafo ou, no mínimo, alguém que entenda suficientemente os aspectos técnicos de uma câmera fotográfica é essencial numa equipe de criação. Isso sem falar dos aspectos artísticos como luz, enquadramento, composição e outros.
     Voltamos à iluminação, logo aprendemos que uma câmera não é um olho humano, a capacidade de percepção é totalmente diferente. Percebemos isso quando depois de gravarmos uma cena-teste, por um dia inteiro. E stop motion, uma dia inteiro de trabalho não rende mais do que 20 minutos, isso em se tratando de profissionais. Nós, depois de um dia de trabalho conseguimos alguns poucos segundos. E, decepcionados, percebemos, ao final do dia, uma séria e constante oscilação da luz que não havíamos detectado durante a captação. Imaginamos que fosse um problema do equipamento ou variação da energia elétrica. A fotógrafa também elucidou a questão: intensidade de luz insuficiente. Só aí, a coisa logou. E entendemos que cinema precisa de luz, a noite no cinema é feita de luz. Uma câmera precisa de luz, muita luz. A escuridão no cinema não é a escuridão da vida, é uma escuridão sugerida, feita de luzes e filtros. A “noite americana” é filmada de dia com filtros, de forma a sugerir uma noite onde as coisas podem ser vistas. Essa é a razão pela qual nos filmes antigos ao se acender uma vela num ambiente escuro a luz da vela era sempre auxiliada por outras luzes para que pudesse iluminar o ambiente a ser visto. É claro que atualmente as câmeras são bem mais sensíveis à luz do que antigamente, mas a regra geral permanece: o escuro é feito com luz.
     Para a animação resolvemos trabalhar com bonecos articulados e outra vez a inexperiência rendeu seus frutos. Mas isso é assunto para a próxima postagem. 



segunda-feira, 29 de abril de 2013

COMEÇAMOS NOSSA ANIMAÇÃO!






Uma das coisas boas das aventuras é que a gente não imagina no que está se metendo. Nem imagina o trabalho que vai dar para sair dela com alguma dignidade. Começamos dessa forma, com muito entusiasmo e pouco planejamento. Conhecimento sobre técnica de stop motion, nenhuma. Tinhamos o roteiro, o Instituto Pandavas nos cedeu lugar para montar o set, um espaço ao lado da oficina de fabricação de papel artesanal.
     Começamos o que chamamos ingenuamente de “testes de animação” com bonecos plásticos, um fundo infinito e uma câmera fotográfica amadora. Precisávamos de um programa de animação. Buscamos na internet e encontramos um programa demo Animator DV. O programa não reconheceu a câmera e a qualidade dos frames ficou muito abaixo do que nós, amadores, desejaríamos. Já tínhamos tido problemas com equipamento inadequado tempos atrás quando resolvi fazer um documentário sobre a trajetória do Instituto Pandavas. Conseguimos um resultado razoável com as imagens, mas de qualidade técnica sofrível. Captamos com uma filmadora amadora que o programa de edição Final Cut não reconhecia, tão baixa era a qualidade das imagens. Resultado: o documentário só pode ser visto em tela pequena, de no máximo 19”, em tela acima desse tamanho, a imagem treme e granula. Desta vez, não queríamos correr o mesmo risco de ao fim de muito trabalho obter um resultado técnico abaixo da mínima expectativa.  Resolvemos investir num bom equipamento, uma máquina fotográfica digital Canon Eos 550D. Foi a melhor opção que fizemos. Por outro lado, o programa de edição gratuito era muito limitado e resolvemos adquirir um Animator DV profissional. Outra escolha acertada. Gastamos uma grana, mas é bem melhor que o resultado técnico e os meios de consegui-lo estejam à altura do nosso entusiasmo. Não existe nada pior que muito trabalho e resultado meia boca. Adquirimos também uma pequena mesa de luz, um refletor de mil, dois de quinhentos watts, lâmpadas várias, filtros de cor, arranjamos alguns tripés e quisemos começar. Mas por onde começar? Discutimos e optamos pelas cenas interiores, da casa da velha costureira, uma das personagens. E começamos. E aí, começaram também os nossos problemas. E, felizmente, as nossas soluções também.
   
Próximo post: problemas com a luz, com a boneca articulada e com o tempo da animação.